Os Fundamentos Teóricos Metodológicos do Ensino de Psicologia da Educação (4ª série do Magistério) complementam o ensino da Psicologia (3ª série do Magistério), aprofundando questões relacionadas ao desenvolvimento e a aprendizagem, ao mesmo tempo que abordam situações do cotidiano, dando ênfase ao contexto escolar. Para o entendimento do papel do professor e do aluno e das interações entre a escola e a sociedade, é fundamental o domínio dos fundamentos teórico-metodológicos da Psicologia da Infância de Wallon e da Psicologia Histórico-Cultural de Vygotsky, já apresentados nessa Proposta, que norteiam os conteúdos selecionados para referendar/subsidiar a prática pedagógica do professor. Tal referencial explicita como as relações sócio-econômicas construídas historicamente engendram a individualidade do ser humano e determinam o grau de autonomia para a construção de novas relações, de novos seres humanos, de nova sociedade. A dificuldade de apreensão de qualquer dado da realidade humana não está em se pesquisar um fato particular, mas na tentativa de explicá-lo apenas pelas relações internas a esse mesmo universo particular (Klein, 1996, p. 49).
É importante manter presente o caráter histórico do aluno e do professor, situados num espaço escolar que reflete as contradições da sociedade.
A atual sociedade ocidental, capitalista e neoliberal, sistematiza seus conhecimentos através da escola, sendo o espaço escolar um dos locais onde tal ideologia pode ser reproduzida ou combatida. É um dos espaços para onde convergem a pluralidade das categorias sociais representativas de tal realidade, que possibilita ao ser humano se apropriar do saber acumulado e se constituir como sujeito de transformação das relações sociais e de si mesmo.
A interação do ser humano com a sociedade é um processo no qual as relações estabelecidas são a síntese da formação do próprio ser humano. Embora o processo de interação social ocorra na família, na escola e na comunidade, é a escola, instituição encarregada da transmissão do saber, que permite a construção e ampliação da consciência do ser humano, a partir da modificação das interações existentes na escola e desta com as organizações políticas e econômicas. O papel do professor é fundamental, pois é sua a responsabilidade de proporcionar mediações significativas ao aluno no contexto escolar que, apropriadas, determinam novas relações com a realidade. A interação deve iniciar considerando a assimetria existente e construindo novas relações com o conhecimento, de modo que, ao final do processo, haja simetria: os alunos igualem ou até superem o professor. Para tanto, é fundamental o exercício da autoridade do professor, sem cair no autoritarismo, construindo a cidadania e o seu exercício com ética e compromisso político (Davis, 1989; Khourp, 1989; Miranda, 1985).
As mediações intencionais promovidas pelo professor na sala de aula devem trabalhar com a heterogeneidade e o respeito à mesma, contribuindo para o crescimento coletivo, ao incrementar a troca (Fontana, 1994). O aluno precisa aprender a conviver com a diferença sem segregar, crescendo com o conflito e o intercâmbio, tornando-se um ser humano com suas múltiplas dimensões trabalhadas na totalidade (Oliveira, 1984).
As relações afetivas na interação professor-aluno são essenciais para a aprendizagem, sendo fundamentais para a expansão das atividades e do pensamento do ser humano, proporcionando condições para a construção da consciência (Galano, 1995; Lane, 1995; Machado, 1995).
As interações devem promover aprendizagem e incidir sobre a zona de desenvolvimento proximal dos alunos, levando-os a dominar novas funções e novos conceitos. Tanto o professor quanto os alunos que já dominam uma dada função são agentes de desenvolvimento dos demais, promovendo o exercício de tal função na relação, de modo que possa ser apropriada pelo aluno menos experiente naquele momento. Nessa perspectiva, o erro não deve ser evitado, mas entendido como expressão de que o desenvolvimento está em processo; assim, ele deve ser corrigido sem humilhar a criança. Trabalhar o erro significa atuar sobre a zona de desenvolvimento proximal (Oliveira, 1997; Vygotsky, 1993).
O espaço da sala de aula exige que o professor promova as interações entre alunos, uma vez que o trabalho em grupo permite, com o reconhecimento do outro e o de si mesmo, atingir níveis de desenvolvimento que só são possíveis na relação dialógica (Fontana, 1996).
O jogo (Elkonin, s.d.), realizado fundamentalmente em grupo, é outra maneira de trabalhar a zona de desenvolvimento proximal por ser um mediador que permite a criança testar situações da vida real ao seu nível sem risco e sob seu controle (Andrade, 1994, p.81). Na situação lúdica, a criança desempenha ações que ainda não domina na sua vida cotidiana.
Ao trabalhar a totalidade do aluno, além de considerar a sua relação com a escola e a sociedade, com seus determinantes econômicos e políticos, é relevante contemplar a dimensão da sexualidade infantil, negada historicamente. O trabalho com a sexualidade deve estar presente na escola para romper com o mito do ser humano como um ser assexuado até a adolescência. O professor deve promover interações necessárias para que a sexualidade se desenvolva em uma dimensão afetiva e prazerosa, rompendo com a tradição judaico-cristã de negação do corpo e dos desejos (Cabral, 1995; Constantine, 1994; Vieira, 1993).
O contexto escolar produz e reproduz as diferenças sociais, seja intencionalmente ou por falta de compreensão das relações entre a escola e a sociedade. O processo de produção das diferenças, enquanto desigualdades no contexto escolar, expressa-se na produção do fracasso escolar, seja através de profecias auto-realizadoras e/ou da estigmatização e exclusão das diferenças (Rosenthal, 1988). A grande maioria das crianças que ingressam na escola pública ainda não se apropriou de determinados signos utilizados nesse espaço (Freitas, 1996). Esta realidade é entendida pelos professores como uma incompetência individual. Os profissionais da educação precisam ampliar sua compreensão de tal fato, pois a apropriação desses signos é determinada pelas interações sociais que já foram propiciadas à criança. A escola deve proporcionar interações diferenciadas para crianças em diferentes níveis de desenvolvimento, objetivando que todas tenham acesso aos elementos fundamentais para o desenvolvimento do psiquismo.
Como a escola pública ainda se fundamenta em pressupostos inatistas e/ou ambientalistas acaba por cristalizar situações que, na verdade, representam uma etapa do processo de aprendizagem: uma dada função está em desenvolvimento e ainda não foi apropriada e não pode ser exercida individualmente. Produz o fracasso escolar por entender que o não domínio de uma dada habilidade é definitivo. Nega ao aluno a possibilidade de se apropriar de funções consideradas essenciais para o ingresso na escola (Patto, 1991).
As expectativas do professor sobre o desempenho dos alunos funciona como uma profecia educacional que se auto-realiza. O professor consegue um péssimo desempenho dos alunos porque é isso que na verdade ele espera. A baixa expectativa dos professores determina uma aprendizagem medíocre, assim como a boa expectativa dos professores determina uma aprendizagem eficaz. O empenho com que o professor vai realizar suas atividades terá como referencial as suas expectativas, que são subjetivas. Algumas turmas são contempladas com interações que determinam a apropriação de inúmeras habilidades e funções; e outras, não.
A integração do ser humano com necessidades educativas especiais no contexto escolar é contemplada no estudo feito pela Psicologia Histórico-Cultural e pela Psicologia da Infância, que defende a superação ou minimização das deficiências a partir da reorganização das funções psicológicas superiores.
As atividades desenvolvidas em sala de aula, utilizando os pressupostos histórico-culturais, propiciam ao professor e ao aluno a oportunidade de desmitificar as diferenças hierarquizadas e romper com o ideal de ser humano veiculado pela ideologia: homem, branco, jovem, atlético, saudável, inteligente e bem sucedido financeiramente.
A Proposta Curricular de Psicologia amplia o entendimento da matriz epistemológica adotada pela Secretaria Estadual da Educação e do Desporto, pois, ao selecionar e explicitar tais conteúdos, auxilia no aprofundamento dos estudos referentes ao desenvolvimento e à aprendizagem do ser humano, fornecendo suporte teórico-metedológico à prática pedagógica.
Tendo presente que o conhecimento produzido é provisório, o professor da disciplina de Psicologia deve auxiliar no processo de construção de novas sínteses. Para tanto, é fundamental que se aproprie das teorias que fundamentam a presente proposta curricular: a Psicologia Histórico-Cultural e a Psicologia da Infância, possibilitando a crítica consistente e produtiva, essencial para a superação dos impasses que a educação vem enfrentando na atual conjuntura neoliberal.
A prática pedagógica do professor de Psicologia deve garantir um espaço de respeito, afeto e apropriação do conteúdo. O diálogo, o acirramento das discussões ideológicas, são fundamentais para que a aprendizagem seja um processo no qual todos se envolvam, contribuam e se transformem.
A teoria tem que estar vinculada ao trabalho dos futuros professores, podendo lançar mão de filmes, relatos de experiências, textos, elaboração de textos, observações e pesquisas que sejam pertinentes para que o conhecimento tenha significação concreta, refletindo-se em práticas pedagógicas coerentes com a teoria que se pretende ensinar.
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