terça-feira, 27 de outubro de 2009

Império Bizantino

 

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Introdução

Muito se disse que a fé cristã foi o problema mais discutido na sociedade bizantina, levando mesmo ao surgimento de várias heresias.

Nas sociedades da Europa Ocidental isso também ocorreu?

Não, não ocorreu, pelo menos na Alta Idade Média, e não é difícil entender os motivos. Quando a Europa Ocidental viveu o processo de ruralização e a sociedade foi se restringindo aos limites do feudo, isso se manifestou no espírito dos homens da época.

Como? Por quê?

Poderíamos dizer que o espírito dos homens também se enfeudou, se fechou em limites bastantes estreitos: não havia espaço para discussão, e apenas a doutrina cristã pregada pela Igreja Católica Apostólica Romana povoava o pensamento e o sentimento humanos... As idéias cristãs eram colocadas como dogmas, inquestionáveis.

Enquanto isso, o que acontecia na sociedade bizantina?

Lá havia uma civilização urbana, e você sabe o quanto as condições de vida de uma cidade favorecem o desenvolvimento do pensamento.

E você não pode esquecer também o quanto a herança da Filosofia grega, de enorme influência na sociedade bizantina, contribuiu para um clima de polêmicas mais freqüentes, para um hábito de questionamento, típicos do pensamento filosófico.

Assim, não obstante o centro dos debates fossem temas religiosos, várias foram as interpretações surgidas sobre a origem e a natureza de Cristo. Mais ainda, muito embora as heresias fossem fruto das discussões entre os elementos eclesiásticos, elas acabavam por representar interesses políticos e econômicos de grupos sociais diversos.

Você poderá perceber bem isso no caso do Monofisismo. Por quê? Essa heresia difundiu-se nas províncias do Império Bizantino e acabou por ser identificada com aspirações de independência de parte da população síria e egípcia.

Novamente você poderá perceber a relação religião-política-economia se prestar atenção no caso da Questão Iconoclasta...

Enfim, como sempre, ao estudarmos a História das sociedades humanas, precisamos estar atentos à. relação de todos os aspectos da vida humana - o político, o econômico, o social e o ideológico. Apesar de ora um, ora outro, assumir um caráter dominante, você sabe que todos são igualmente importantes, embora o aspecto determinante do modo de vida de uma sociedade seja a forma pela qual os homens se organizara entre si, a fim de, agindo sobre a Natureza, produzirem os alimentos e os utensílios de que necessitam para sobreviverem.

E você já sabe qual era a estrutura econômica da sociedade bizantina, não é mesmo?

Vamos, então, conhecer melhor a vida dessa sociedade que tinha por capital uma cidade "rica em prestígio, mais rica ainda em dinheiro"...

Sua Formação

O Império Bizantino, também conhecido algum tempo pela denominação de Império Romano do Oriente, ofereceu grande contraste com as sociedades da Europa Ocidental:

_ O Império Romano do Ocidente foi incapaz de resistir às migrações dos germanos e hunos, fragmentando-se em reinos independentes, enquanto o Império Bizantino sobreviveu onze séculos, recorrendo à guerra e à diplomacia para repelir, desviar ou enquadrar os inúmeros povos invasores que se abateram sobre seus domínios;

_ As sociedades ocidentais européias até o século XII tenderam à ruralização e à descentralização do poder político, enquanto a sociedade bizantina manteve-se, essencialmente urbana e politicamente subordinada a uma Monarquia Despótica e Teocrática exercida pelo Basileus ou Imperador.

O Império Bizantino, contudo, teve origem romana, e os Imperadores do Oriente sempre afirmaram ser os herdeiros de Roma A crescente decadência e ruralização do Ocidente evidenciaram o contraste com o Oriente, mais rico cultural e economicamente, levando o Imperador Constantino a construir, no Oriente, a cidade de Constantinopla, destinada a ser a nova capital do Império Romano (330).

A cidade foi erguida no litoral da Tracia, entre o Mar Negro e o Mar de Mármara, em local onde outrora existira a colônia grega de Bizâncio. Este fato explica o emprego das denominações de Bizâncio ou Constantinopla para designar a cidade escolhida pelo Imperador Teodósio para ser a capital do Império Romano do Oriente (395). Na divisão então feita, o Oriente compreendia os Bálcãs, ilhas do Mar Egeu, a Ásia Menor, a Síria, a Palestina, o Egito e a Cirenaica:

Drama: “Romanização” ou “Orientalização”?

Em seus primeiros tempos, o Império Romano do Oriente conservou nítidas influências romanas, tendo as dinastias Teodosiana (395 - 457), Leonina (457 - 518) e Justiniana (518 - 610) mantido o latim como língua oficial do Estado, conservado a estrutura e as denominações das instituições político-administrativas romanas etc. A predominância étnica e cultural grega e asiática, entretanto, acabaria prevalecendo a partir do século VII.

Nos séculos IV e V, as invasões de visigodos, hunos e ostrogodos foram desviadas para o Ocidente mediante o emprego da força das armas, da diplomacia ou pelo pagamento de tributos, meios usados pelos bizantinos durante séculos para sobreviver.

Essas ameaças externas puseram em perigo a estabilidade do Império Bizantino, internamente convulsionado por questões religiosas que também envolviam divergências políticas. É o caso do Monofisismo, doutrina religiosa elaborada por Eutiques (superior de um convento de Constantinopla), centralizada na concepção de que só havia a natureza divina em Cristo. Embora considerada heresia pelo Concílio de Calcedônia (451), que reafirmou a natureza divina e a natureza humana de Cristo, a doutrina monofisista propagou-se pelas províncias asiáticas (Ásia Menor, Síria) e africanas (Egito), onde se identificou com aspirações de independência.

No século VI, Bizâncio teve no reinado de Justiniano (527 565) um dos períodos marcantes: a “primeira idade de ouro” segundo expressão de Paul Lemerle. Empenhado em reagir contra a orientalização do Império e o domínio do Ocidente pelos bárbaros, imprimiu a seu governo duas diretrizes básicas: a consolidação da autoridade imperial e a reconstituição do antigo Império Romano, mantendo o Mar Mediterrâneo como eixo da economia imperial.

Justiniano conservou ou restabeleceu os quadros administrativos romanos em todo o Império. O Direito Romano foi revisado e atualizado, para fortalecer juridicamente as bases do poder imperial e dotar o Estado de um sistema jurídico eficiente. O resultado desse trabalho é conhecido pela denominação de Corpus Juris Civilis, compreendendo quatro partes:

_ O Código de Justiniano (Novus Justinianus Codex), que continha toda a legislação romana revisada desde o Imperador Adriano

_ ODigesto ou Pandectas, que incluía um sumário da jurisprudência romana;

_ As Institutos, que constituíam um resumo para ser utilizado pelos estudiosos de Direito;

_ As Novelas ou Autênticas, que reuniam as novas leis de Justiniano.

A importância do Corpus Juris Civilis pode ser assim avaliada: “Foi neste Corpus Juris Civilis, obra-prima do Direito Romano, que os legistas da Idade Média e dos Tempos Modernos estudaram esta ciência, e foi também ele que serviu de base aos nossos códigos atuais.” – Segundo GENICOT, L. e HOUSSIAU, P., in  “Le Moyen Age”, Coleção Histoire et Humanités)

Uma política de numerosas construções públicas, atendendo a objetivos militares – centenas de fortificações (fortalezas e castelos) foram erguidos para melhor guarnecer as fronteiras - e políticos - evidenciar o poder imperial mediante obras monumentais como a Basílica de Santa Sofia - constituiu aspecto marcante do período.

A Corte imperial tornou-se mais requintada, subordinando-se à rígida etiqueta perante o Imperador ou Basileus: considerado o representante de Deus na Terra, seus poderes eram concebidos como de origem divina e todos deviam-lhe irrestrita obediência.

O caráter teocrático da Monarquia evidenciava-se nas representações da figura do Imperador em pinturas, vitrais e outras obras de arte : a cabeça imperial era rodeada de um halo, semelhante às imagens de santos. Ainda que continuasse a tradição do Dominato, o Dominus Noster inspirava-se nas Monarquias Despóticas e Teocráticas do Oriente.

Utilizando-se de poderosa frota de guerra e de numerosos exércitos, o imperador Justiniano empreendeu diversas campanhas militares no Mediterrâneo Ocidental, onde conquistou o Reino Vândalo (África do Norte), o Reino Ostrogodo (Península Italiana) e a região sudeste do Reino Visigodo (Península Ibérica).

        No dizer de Paul Lamerle, “(...) para ressuscitar a parte morta do Império, desenvolveu um esforço gigantesco que esgotou a parte viva”. (Histoire de Byzance, Coleção "Que Sais-je?" PUF., pág. 46.). Com efeito, as conquistas foram precárias, pois as forças de ocupação demonstraram-se insuficientes e as regiões reconquistadas estavam economicamente arruinadas. Além do mais, as campanhas desviaram recursos humanos e financeiros que deveriam ter sido utilizados contra crescentes ameaças nas fronteiras orientais (a pressão da Pérsia Sassânida foi contida por meio do pagamento de pesados tributo) e balcânicas (ávaros e eslavos realizavam constantes invasões, sendo que os últimos começaram a ser instalados como colonos nos Bálcãs).

A fim de cobrir os gastos com guerras e pagamento de tributos, o governo adotou rigorosa política fiscal, fator de inquietação social, como se evidenciou na Sedição Nika.

Iniciada no Hipódromo de Constantinopla, resultou de múltiplas causas, como a reação contra a tirania fiscal, o descontentamento de monofisistas contra a opressão imperial etc.

O movimento alastrou-se pela cidade e, para sufocá-lo, as tropas imperiais massacraram milhares de pessoas.

Em síntese, “(...) o balanço deste reinado foi decepcionante. A. ameaça persa continuava na fronteira síria; a reconquista do Ocidente foi apenas parcial; os esforços de romanização pouco sucesso tiveram e o latim, língua oficial do Império, só era compreendido por uma minoria”. (ARONDEL, M. e outros, op. cit., pág. 152)

"Os Bárbaros contemplavam com assombro os vestíbulos, as salas imensas e os gigantes da guarda. Viam escudos de ouro, lanças rutilantes de ouro, capacetes de ouro, penachos escarlates (...) Contemplavam as outras maravilhas desta pompa ilustre. Acreditavam que o palácio dos Romanos era um outro céu (...) Quando a cortina foi aberta (...) o ávaro levantou os olhos para o César, cuja fronte era cingida por faiscante diadema sagrado. Três vezes ajoelhou-se, prosternou-se, adorou o Imperador e permaneceu como rosto junto ao chão."

(Flávio Corippus [530-585], De Laudibus Justini. Citado por GENICOT, L. e HOUSSIAU, P., op. cit., págs. 42 e 44.)

O Império se Orientaliza...

O final do século VI foi marcado pela regressão das fronteiras imperiais. Na Península Italiana, os domínios bizantinos sofreram ataques dos lombardos. Nos Bálcãs, povos eslavos, juntamente com os ávaros, começaram a se sedentarizar, continuando novas ondas migratórias a chegar até o século VIII. No Oriente Próximo, a Pérsia Sassânida, empenhada em controlar rotas comerciais. de acesso ao Mediterrâneo, reiniciou guerras ofensivas e se apoderou da Síria, Palestina e Egito.

A grave crise que ameaçou a continuidade do Império exigiu modificações nas instituições imperiais, o que foi realizado pela dinastia Heráclida ou Heracliana (610 - 717).

O costume de conceder terras a particulares em troca da prestação do serviço militar foi então iniciado e mantido até o século XI. A concessão era hereditária e obrigava um dos membros da família ao serviço militar. Com isso o Estado resolveu vários problemas:

_ A redução das rendas estatais diminuíra a possibilidade de pagar um soldo aos indivíduos recrutados para os exércitos;

_ Atacou as grandes propriedades, cujos proprietários constituíam uma força contrária ao poder central;

_ Multiplicou as pequenas propriedades, cujos novos proprietários eram cultivadores e soldados;

_ Assimilou populações eslavas que, inclusive, tiveram muitos de seus componentes instalados na Ásia Menor.

A reorganização do Estado também atingiu a administração, que foi estruturada em bases militares: criaram-se os Temas (subdivisões administrativas que dispunham de tropas para a defesa) submetidos aos Estrátegas (governantes dispondo de poderes militares e civis).

De grande importância foi o emprego do fogo grego ou greguês, arremessado de tubos munidos de propulsores. Ao explodir, o projétil espalhava um líquido inflamado, pois era feito à base de derivado do petróleo (nafta). Graças ao seu emprego, vários combates foram vencidos pelos exércitos e frotas bizantinos.

Essas e outras medidas detiveram a desintegração do Império, territorialmente diminuído e com uma população predominantemente grega e asiática.

O embasamento grego e asiático tinha suas raízes nos primórdios de Bizâncio e, apesar da influência romana e ocidental, acabou impondo-se e caracterizando a Civilização Bizantina. Foi grega e asiática a religião cristã que se desenvolveu em Bizâncio, com características bem distintas do Cristianismo romano e ocidental: este voltou-se mais para a organização da Igreja e para a conversão dos pagãos, enquanto aquele teve no monaquismo e nas controvérsias teológicas aspectos marcantes. Foi grega e asiática a estrutura econômica que se manteve por longo tempo no Império Bizantino, cuja prosperidade contrastou, por séculos, com as regiões ocidentais do antigo Império Romano.

Ainda que a agricultura até o século XI apresentasse uma gradual transformação para o modo de produção feudal, como ocorria na Europa Ocidental, a transição do escravismo ao feudalismo foi mais lenta. Além do mais, o Império Bizantino incluía em seus limites, embora em regiões da periferia, áreas com uma infra-estrutura fundamentada no modo de produção asiático, como foi o caso da Síria, da Palestina e do Egito, incorporados ao Império Árabe, no século VII.

Grega e asiática era a tradição urbana do Império Bizantino, que tinha no artesanato (refinado e submetido á rígido controle do Estado) e no comércio (monopólio do Estado durante séculos) duas importantes fontes de riqueza.

Desde Heráclio (610 - 641), fundador da dinastia dos Heráclida, o Império tornou-se grego e oriental, sendo o latim abandonado como língua oficial e substituído pelo grego, utilizado na legislação, na administração e na denominação dos cargos: Estrátegas, Basileus etc.

Com os Heráclida nova ameaça abateu-se sobre o Estado bizantino: os árabes. A expansão árabe resultou na perda de diversas regiões do Império Bizantino.: ilhas do Mediterrâneo Oriental, o Egito, a Síria e a Palestina, as três últimas recém-reconquistadas à Pérsia Sassânida e de grande importância econômica.

A Questão Iconoclasta

Já no século VIII, quando os árabes avançando pela Ásia Menor preparavam o assalto final a Constantinopla, ascendeu ao poder nova dinastia, de origem asiática: a Isáurica ou Isáuria (717 - 802). Seu fundador foi Leão III (717 - 741)., cujo reinado, juntamente com o de seu filho e sucessor Constantino V (741 - 775), caracterizou-se pela contra-ofensiva contra os Omíada, frustrados no ataque terrestre e naval contra Constantinopla (717) e rechaçados da Ásia Menor pelos bizantinos.

O período, no entanto, teve como aspecto marcante a Questão Iconoclasta, de profundas implicações, inclusive externas.

No Império Bizantino as influências helenísticas e orientais resultaram na estreita ligação entre Igreja e Estado, concretizada no Cesaropapismo: ao Basileus cabia a chefia da Igreja e do Estado. Tal situação funcionava como arma de dois gumes: na condição de protetor da Igreja poderia gerir seus bens e preencher os cargos eclesiásticos, o que reforçava o poder imperial; em contrapartida, as reações à ortodoxia religiosa refletiam resistências de oposições ao poder central, que transformavam controvérsias religiosas em problemas políticos decorrentes de contradições sócio-econômicas, como se deu com a Questão Iconoclasta.

Só podemos entender a Questão Iconoclasta enquandrando-a no contexto da transição do escravismo ao feudalismo. Com efeito, os ícones eram as imagens, pequenas ou grandes, representando pessoas santificadas ou o próprio Cristo; feitos nos mais diversos materiais, incorporaram-se às cerimônias de culto da sociedade bizantina. Entre os principais produtores de ícones encontravam-se os monges que obtinham grandes lucros com a venda de imagens. Essas riquezas reforçavam ainda mais o poderio dos monges, cujas ordens possuíam grandes propriedades isentas de tributos, exerciam grande influência na sociedade e constituíam uma ameaça ao poder central porque representavam o avanço da feudalização.

É certo ainda que o culto das imagens era visto por muitos, sobretudo asiáticos, como idolatria, os quais defendiam concepções mais espiritualizadas da religião, onde não haveria práticas supersticiosas como queimar incenso, iluminar círios, crença em relíquias ou culto de imagens.

Foi Leão III, de origem asiática, quem determinou a proibição do culto de imagens (ícones) e sua destruição - ou iconoclastia -, medida que atingiu ainda outras práticas consideradas pagãs (726). O objetivo visado era enfraquecer o poder dos monges que reagiram provocando revoltas contra o Basileus. A cisão interna aprofundou-se quando os monges obtiveram o apoio das populações balcânicas, da maioria do clero e dos marinheiros (geralmente gregos), que consideravam a destruição de imagens um sacrilégio e uma heresia.

Sustentado pelo exército, cujos soldados eram na maioria de origem asiática, Leão III determinou o confisco dos bens dos mosteiros e a redistribuição das terras entre os soldados, prosseguindo a política de reação do poder central contra os setores feudais. Embora fossem reprimidas as sublevações provocadas pelos monges e mantidas as expropriações de seus bens, a Questão complicou-se porque o Papado considerou herética a destruição dos ícones e condenou as demais medidas contra os monges.

Apesar disso, Leão III e seus sucessores mantiveram-se firmes na política adotada contra o culto de ícones. A Questão Iconoclasta serviu, no entanto, para aprofundar divergências com o Papado, que acabou se aproximando dos francos e coroando Imperador a Carlos Magno, o que politicamente representou um desprestígio para os Imperadores bizantinos, face à criação do Novo Império Romano do Ocidente (800). Além do mais, a crise interna do Império Bizantino impossibilitou o envio de ajuda militar à Península Italiana, onde o Exarcado de Ravena e demais províncias bizantinas foram conquistadas pelos lombardos.

No século IX, a Basilisca Teodora revogou as leis iconoclastas, e restabeleceu o culto das imagens (842). Novamente o poder dos monges voltou a crescer, como se evidencia no depoimento do Basileus Nicéforo Focas (963 - 969): “Os monges não possuem nenhuma das virtudes evangélicas; não pensam senão na aquisição de terra, na ereção de enormes edifícios e na compra de grande número de cavalos, bois, camelos e de todos os tipos de criação. Dedicam todas as energias ao próprio enriquecimento, de sorte que a vida deles em nada difere das pessoas que vivem no mundo.” (SHERRARD, P., Bizâncio, Biblioteca de História Universal Life, Livraria José Olympio Editora, pág. 100.)

Apogeu e Decadência de um Império

Os séculos IX e X constituíram um dos períodos de apogeu da sociedade bizantina, a segunda idade de ouro, segundo Paul Lemerle, e que correspondeu ao governo da dinastia Macedônica (867 - 1056).

Desenvolvendo uma política externa expansionista, os imperadores Macedônicos reconquistaram ilhas do Mediterrâneo Oriental (Chipre, Creta) e regiões da Itália Meridional, como a Sicília, que era importante celeiro de trigo. Nos Bálcãs, os búlgaros foram submetidos definitivamente, tendo a conversão dos húngaros e russos ao Cristianismo ampliado a influência cultural e a área de ação comercial bizantina.

A conversão dos povos eslavos e a prosperidade do Império. Bizantino realçaram o prestígio e a importância do Patriarca de Constantinopla, que se considerava o supremo dirigente da cristandade, não aceitando a teoria da supremacia do poder pontifical. Desde a extinção do Império Romano do Ocidente, assim como os Imperadores bizantinos afirmavam sua condição de herdeiros de Roma, os Patriarcas apregoavam sua primazia na direção da Igreja. Essa divergência levara a freqüentes atritos entre o Papado e os Patriarcas, ocasionando rompimentos efltre a Igreja Cristã Ocidental e a Igreja Cristã Oriental, como se verificou com a Questão Iconoclasta.

O Cristianismo, em sua evolução, assumiu características diferentes na Europa Ocidental e em áreas do Império Bizantino, seja no ritual oriental (celebrado em grego), seja na disciplina (a subordinação da Igreja ao Estado bizantino) e nas crenças (rejeição do Purgatório pelos orientais).

A cisão seria inevitável e se deu quando o Papa Leão IX e o Patriarca Miguel Cemlário entraram em conflito a respeito da jurisdição sobre dioceses da Itália Meridional, excomungando-se mutuamente. Não se acreditava que a ruptura fosse definitiva, mas a intransigência do Patriarca e do Papa ; explicável porque a questão envolvia interesses econômicos relativos à arrecadação das rendas daquelas dioceses e interesses políticos antagônicos sobre a direção suprema da cristandade - consumou o Cisma do Oriente, em virtude do qual criaram-se. duas Igrejas: a Igreja Cristã Ortodoxa Grega, subordinada ao Patriarcado de Constantinopla, e a Igreja Católica Apostólica Romana, dirigida pelo Papado (1054).

A prosperidade alcançada deveu-se sobretudo às riquezas acumuladas com os rendimentos da terra, da indústria artesanal - intensamente desenvolvida era a produção de artigos de luxo realizada nas oficinas estatais - e do comércio. A atividade mercantil estava submetida ao controle do Estado e, apesar dos ataques árabes, manteve-se florescente, funcionando Constantinopla como intermediária entre o Extremo Oriente e o Ocidente: através da "rota da seda", que atravessava toda a Ásia Central, fluíam especiarias, perfumes, seda, pedras preciosas etc, que, chegados ao Mar Negro, eram transportados pelas embarcações bizantinas aos portos do Mediterrâneo.. As cidades italianas, em especial Veneza, redistribuíam aquelas mercadorias pela Europa Ocidental. Constantinopla foi também importante centro financeiro, onde os cambistas permutavam moedas das mais diversas procedências trazidas pelos mercadores estrangeiros.

Apesar disso, a feudalização progrediu com o crescente predomínio dos grandes senhorios em detrimento das pequenas propriedades de cultivadores independentes e de camponeses-soldados, e até mesmo das terras da Coroa. As estruturas feudais foram reforçadas sob a dinastia dos Comneno (1081 - 1185), cuja ascensão marcou a vitória dos setores feudais sobre a aristocracia urbana que dirigia o Império. Adotando o costume de conceder terras em troca da prestação de serviços, sendo a concessão acompanhada do direito de receber impostos dos camponeses e de ministrar justiça, os Comneno fortaleceram os mosteiros e a nobreza feudal, convertidos em forças desintegradoras do poder central.

Externamente novas ameaças surgiram no século XI: nos Bálcãs, sérvios e petchenegues invadiram províncias bizantinas; na Itália do Sul, os normandos apoderaram-se da Sicília e demais regiões bizantinas; no Oriente Próximo, os turcos seldjúcidas ocuparam a Síria e. a maior parte da Ásia Menor, privando o Império Bizantino de territórios onde se encontravam importantes rotas de comércio e eram recrutados elementos para o exército.

A gravidade da situação levou os Comneno a recorrer ao Papado, pedindo ajuda contra os turcos seldjúcidas, precipitando com isso as Cruzadas que acabaram arruinando o Império Bizantino. Recorreram também, a. Veneza, solicitando o apoio de sua esquadra contra os normandos que atacavam os Bálcãs; em troca, os venezianos receberam amplas concessões comerciais. Ora, tal situação privou o Estado de uma das principais fontes de receita e retirou ao Império Bizantino a condição de intermediário do comércio entre o Extremo Oriente e o Ocidente.

Reagindo contra isso, a dinastia dos Ângelo (1185 - 1204) anulou os privilégios concedidos a Veneza que, em represália, desviou a Quarta Cruzada contra Constantinopla (1204), cuja conquista resultou no Império Latino do Oriente.

“O altar sagrado da grande igreja de Santa Sofia, feito de todas as espécies de matérias preciosas e admirado em todo o mundo, foi despedaçado e repartido pelos soldados, tal como as outras riquezas sagradas dum esplendor infinito. Quando os vasos sacros e os objetos duma arte e duma graça inexcedíveis (...) e as guarnições de ouro e prata cinzelada (...) e as portas e outros ornamentos foram levados como despojo, as mulas e os cavalos arreados foram introduzidos no santuário do templo. Alguns de entre eles, que não conseguiam equilibrar-se no lajedo escorregadio, eram apunhalados até cair, de tal modo que o admirável chão sagrado ficou [todo] poluído de sangue e esterco. Além disso, uma prostituta (...) insultando Cristo, sentou-se na cadeira patriarcal, para cantar uma canção obscena, e dançou freneticamente.”

(Nicetas Acominato, Crônicas. Citado por FREITAS, G, de, op. cit., pág. 152.)

“Constantinopla, glória dos Gregos, rica em prestígio, mais rica ainda em dinheiro (...)”

(Depoimento do Monge Eudes, secretário de Luís VII, Rei de França. Citado por GOTHIER, L, e TROUX, A; op..cit., pág. 236.)

A Derrocada do Império Bizantino

Embora fosse efêmero o Império Latino do Oriente (1204 - 1261) , Veneza e os senhores feudais ocidentais só foram expulsos pelos bizantinos com a ajuda de Gênova.

Em conseqüência, o Império Bizantino restaurado pela dinastia dos Paleólogo (1261-1453) reduziu-se a algumas ilhas do Mar Egeu, a pequena parte da Ásia Menor e da Península Balcânica. Além do mais, seus recursos econômicos eram limitados, porque os genoveses desfrutavam de isenções fiscais e liberdade de ação comercial no Império Bizantino.

A agonia do Império prolongou-se por mais dois séculos, cada vez mais debilitado pelas lutas internas e pelos ataques dós sérvios, que haviam formado poderoso Estado nos Bálcãs, e dos turcos otomanos, convertidos em novos senhores do antigo Califado de Bagdá.

Ao longo do século XIV, os turcos otomanos ocuparam a Ásia Menor, os Bálcãs e reduziram o Império Bizantino unicamente à cidade de Constantinopla.

Quando reinava Constantino XI (1448 - 1453) , o Sultão Maomé II cercou a cidade, por terra e por mar. Utilizando-se de poderosa artilharia abriu brechas nas muralhas defensivas de Constantinopla e conquistou a cidade, que foi transformada em capital do Império Otomano, com o nome de Istambul (1453).

“Direitos que se pagam em Constantinopla, na alfândega do Imperador pelos gêneros que os mercadores trazem e levam: Os genoveses e os venezianos têm entrada e saída francas, não pagam nada. (...) Os florentinos, provençais, catalães, anconianos, sicilianos e todos os outros estrangeiros pagam 2% ao entrar e 2% (...) ao partir; e são obrigados a pagar ao mesmo tempo a entrada e a saída (...)”

(Francisco Balduci Pegolotti, La Pratica della Mercatura. Citado por FREITAS, G, de, op. cit., págs. 117 e 118.)

“Em virtude da escassez de dinheiro, o esplendor da corte bizantina desapareceu. As jóias das coroas eram vidro, os mantos não eram verdadeiro pano de ouro mas brocadilho, os pratos eram- de cobre, e tudo quanto parecia rico brocado era apenas couro pintado.”

(Depoimento de um observador da época. Citado por SHERRARD, P., op. cit., pág. 166.)

Herança da Civilização Bizantina

A Civilização Bizantina exerceu profunda influência sobre as sociedades medievais, particularmente sobre as sociedades eslavas, às quais transmitiu muitas de suas instituições político-jurídicas e realizações culturais.

Em sua prolongada existência, a sociedade bizantina fundiu elementos culturais latinos, gregos e asiáticos, condicionados pelo Cristianismo, criando uma civilização marcada pela originalidade.

A Arte expressou-se particularmente na edificação de igrejas, mosteiros e palácios, refletindo a sua subordinação à religião e ao Estado. Das construções civis. (palácios, aquedutos etc.) quase nada restou, mas não ocorreu o mesmo com os templos, muitos dos quais sobreviveram até hoje. As igrejas bizantinas apresentavam construções de abóbadas múltiplas e formas variadas (planos quadrados, octogonais, em cruz grega etc), mas sua originalidade estava no emprego de cúpulas e na singeleza do exterior, contrastando com a suntuosidade da decoração interior, onde sobressaíam os mosaicos dos vitrais, paredes e tetos. O templo mais famoso é a Basílica de Santa Sofia, em Constantinopla, com monumental cúpula sobreposta a uma construção quadrada.

A Pintura, essencialmente decorativa, manifestou-se em afrescos representando santos e anjos, os dirigentes etc., cujas figuras geralmente são estáticas com fisionomias que apresentam linhas de sofrimento, benevolência e misticismo.

A Escultura foi igualmente decorativa. Baixos-relevos de construções, trabalhos em marfim (capas de livros, por exemplo) e ícones constituíram as formas mais desenvolvidas.

A atividade literária, realizada inicialmente em latim e depois em grego, teve uma produção rica em variedade, qualidade e quantidade. Escritos em prosa ou verso, os manuscritos freqüentemente eram ilustrados com iluminuras, em que os artistas davam asas à imaginação para a concretização da ilustração, ou subordinavam-se à rígida e severa orientação da Igreja. Predominaram as composições de conteúdo religioso: hinos sacros, assuntos de Teologia, vida de santos etc. Embora tendendo a imitar os clássicos greco-romanos, a Literatura profana exprimiu-se nos mais variados gêneros, como a poesia epigramática e a poesia lírica, tratados sobre diplomacia e técnicas de guerra, enciclopédias, narrativas de viagens, romances épicos (o mais popular foi Digenes Akrites, comparável em qualidade à Canção de Rolando) e narrativas históricas, entre as quais a História Arcana, de Procópio de Cesaréia (500 - 565), e a Alexíada de Ana Conieno (1083 - 1148).

Assumiu particular importância a compilação de escritos da Antiguidade Clássica, possibilitando a preservação de trabalhos de autores gregos e até latinos. Essas compilações, realizadas por copistas anônimos, eram mantidas em bibliotecas imperiais, dos mosteiros ou de particulares, sendo mais tarde, transmitidas aos ocidentais e a outras sociedades.

“Abd Allah al-Ma’mún (...) entrou em entendimentos com os Imperadores de Bizâncio, deu-lhes ricos presentes e lhes solicitou a doação dos livros de Filosofia que possuíam. Os Imperadores enviaram-lhe obras de Platão, de Aristóteles, de Hipócrates, de Galeno, de Euclides, de Ptolomeu etc. Al-Ma’mún então escolheu eméritos tradutores e os encarregou de traduzir o melhor possível aquelas obras. A tradução sendo feita com toda a perfeição possível, o Califa estimulou seus súditos a lê-las e os encorajou a estudá-las. Em conseqüência, o movimento científico desenvolveu-se no reinado deste príncipe.”

Fonte: www.culturabrasil.org/bizancio.htm

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